“Vamos ser a horta da Europa”
"O Governo está a estudar um projecto para a costa alentejana que prevê uma megaprodução em estufas de hortofrutícolas e plantas ornamentais. Numa área de cinco mil hectares, em Odemira, Sines e Comporta, deverão nascer estufas equipadas para produzir 500 mil toneladas anuais de legumes, frutas e flores, no valor de €250 milhões. Com a subida do gás natural e a falta de água a gerar uma crise aguda na produção europeia de legumes, concentrada na Holanda e na região espanhola de Almeria, Portugal é visto como a solução para o risco de a Europa «ficar sem legumes»."
Expresso, 26/11/2005
A primeira coisa que me veio à ideia depois de ter lido esta notícia foi a Odefruta, o logrado negócio de fruta e legumes de “alta qualidade” encabeçado por Thierry Roussel, um projecto que nos finais dos anos oitenta fora apresentado como o futuro da agricultura portuguesa, visando a produção de hortícolas para exportação e o desenvolvimento de uma das zonas mais pobres do país. Era uma empresa apoiada e subsidiada na altura pelo governo Português, Caixa Geral de Depositos e União Europeia, localizada no Brejão, a sul da Zambujeira do Mar, com 550 hectares de agricultura intensiva em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. Após falência por má gestão em 1994, deixou para a posteridade dívidas à União Europeia, banca, produtores, empregados e danos ambientais elevados. Este modelo de exploração agrícola não era novo em Portugal, tendo alguns casos de sucesso, como a Vitacress Salads (ver artigo no Público) e a Frupor.

Campo de Dalías, Almeria, Espanha | foto de earthobservatory.nasa.gov

Estufas, Almeria, Espanha | Foto Marc Alex, PIG, AFP,Paris.
Almeria, antes uma das zonas mais pobres e desérticas de Espanha, é agora o Eldorado da agricultura intensiva, tornando viável que se venda fora de época nos supermercados do norte da Europa, a preços bastante acessíveis, tomates, pimentos e alfaces, entre outros. É um imenso mar de plástico, visível de satélites em órbita, num total de 349.000 quilómetros quadrados. O negócio traz dinheiro para a região, mas também problemas. O impacto visual é um deles, mais preocupante é a poluição causada pelos desperdícios da actividade agrícola, o consumo de água nas explorações, que fez com que o Governo espanhol considerasse o desvio do caudal do Ebro e a construção de mais de setenta barragens e um pipeline com 1.000 quilometrós de comprimento, e recentemente, uma unidade de dessalinização na costa mediterrânica. Outro problema é a infiltracao da água do mar (em algumas zonas a salinidade e tão elevada que não é possível o cultivo de certas espécies) e o uso intensivo de quimicos (boa parte desta culturas são feitas em perlite, um médio inerte sem nutrientes disponíveis para as plantas) e pesticidas, que passam para os lençóis freáticos e solo, sendo alguns susceptíveis de provocar graves problemas de saúde. As estufas, essas, continuam em expansão, agora para os lados de Granada.

Linha de producao de ornamentais em potes de fibra de coco, Holanda.
Na Holanda, existem sistemas de agricultura intensiva desde o fim da II Guerra, e são o terceiro maior exportador de produtos hortícolas do planeta. As estufas, omnipresentes, fazem parte da paisagem tal como os polders e os campos de tulipas. Os custos de produção são mais altos do que em Espanha, por causa do clima do norte da Europa (as estufas necessitam de aquecimento), dos impostos e da mão de obra. Mas a maior diferenca entre a Holanda e a Espanha está no ordenamento do território e na legislação. As explorações são ordenadas, quem polui ou contamina o ambiente paga caro, sendo fiscalizados frequentemente, e há um esforco concertado para minimizar o impacto ambiental da indústria. Um bom exemplo são os vasos para produção de ornamentais para o mercado paisagista interno Holandês. Há uns anos eram de plástico, ainda são utilizados em boa parte do mundo, mas não são reciclaveis. O Governo Holandês retirou-os do mercado e foram substituidos por vasos de fibra de coco, biodegradáveis e produzidos de forma sustentável em paises em vias de desenvolvimento, como o Sri Lanka.
Concluindo, espero que o modelo que se vai implementar na costa alentejana não seja o da "terra queimada" que é a norma em Almeria. O ideal seria em modo de produção biológico, um mercado em franca expansão na União Europeia, mas se calhar é pedir demais. E já agora, que se dê alguma coisa de volta às populações locais. Não é só dar sem receber.
Expresso, 26/11/2005
A primeira coisa que me veio à ideia depois de ter lido esta notícia foi a Odefruta, o logrado negócio de fruta e legumes de “alta qualidade” encabeçado por Thierry Roussel, um projecto que nos finais dos anos oitenta fora apresentado como o futuro da agricultura portuguesa, visando a produção de hortícolas para exportação e o desenvolvimento de uma das zonas mais pobres do país. Era uma empresa apoiada e subsidiada na altura pelo governo Português, Caixa Geral de Depositos e União Europeia, localizada no Brejão, a sul da Zambujeira do Mar, com 550 hectares de agricultura intensiva em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. Após falência por má gestão em 1994, deixou para a posteridade dívidas à União Europeia, banca, produtores, empregados e danos ambientais elevados. Este modelo de exploração agrícola não era novo em Portugal, tendo alguns casos de sucesso, como a Vitacress Salads (ver artigo no Público) e a Frupor.

Campo de Dalías, Almeria, Espanha | foto de earthobservatory.nasa.gov

Estufas, Almeria, Espanha | Foto Marc Alex, PIG, AFP,Paris.
Almeria, antes uma das zonas mais pobres e desérticas de Espanha, é agora o Eldorado da agricultura intensiva, tornando viável que se venda fora de época nos supermercados do norte da Europa, a preços bastante acessíveis, tomates, pimentos e alfaces, entre outros. É um imenso mar de plástico, visível de satélites em órbita, num total de 349.000 quilómetros quadrados. O negócio traz dinheiro para a região, mas também problemas. O impacto visual é um deles, mais preocupante é a poluição causada pelos desperdícios da actividade agrícola, o consumo de água nas explorações, que fez com que o Governo espanhol considerasse o desvio do caudal do Ebro e a construção de mais de setenta barragens e um pipeline com 1.000 quilometrós de comprimento, e recentemente, uma unidade de dessalinização na costa mediterrânica. Outro problema é a infiltracao da água do mar (em algumas zonas a salinidade e tão elevada que não é possível o cultivo de certas espécies) e o uso intensivo de quimicos (boa parte desta culturas são feitas em perlite, um médio inerte sem nutrientes disponíveis para as plantas) e pesticidas, que passam para os lençóis freáticos e solo, sendo alguns susceptíveis de provocar graves problemas de saúde. As estufas, essas, continuam em expansão, agora para os lados de Granada.

Linha de producao de ornamentais em potes de fibra de coco, Holanda.
Na Holanda, existem sistemas de agricultura intensiva desde o fim da II Guerra, e são o terceiro maior exportador de produtos hortícolas do planeta. As estufas, omnipresentes, fazem parte da paisagem tal como os polders e os campos de tulipas. Os custos de produção são mais altos do que em Espanha, por causa do clima do norte da Europa (as estufas necessitam de aquecimento), dos impostos e da mão de obra. Mas a maior diferenca entre a Holanda e a Espanha está no ordenamento do território e na legislação. As explorações são ordenadas, quem polui ou contamina o ambiente paga caro, sendo fiscalizados frequentemente, e há um esforco concertado para minimizar o impacto ambiental da indústria. Um bom exemplo são os vasos para produção de ornamentais para o mercado paisagista interno Holandês. Há uns anos eram de plástico, ainda são utilizados em boa parte do mundo, mas não são reciclaveis. O Governo Holandês retirou-os do mercado e foram substituidos por vasos de fibra de coco, biodegradáveis e produzidos de forma sustentável em paises em vias de desenvolvimento, como o Sri Lanka.
Concluindo, espero que o modelo que se vai implementar na costa alentejana não seja o da "terra queimada" que é a norma em Almeria. O ideal seria em modo de produção biológico, um mercado em franca expansão na União Europeia, mas se calhar é pedir demais. E já agora, que se dê alguma coisa de volta às populações locais. Não é só dar sem receber.
4 Comments:
pra quando uma visita?!
abraço e beijinhos,
tota.
Bom post. Gostei. è importante alertar antes para que se começe desde logo a fazer bem. E já agora os vasos biodegradáveis feitos no Sri Lanka podem ser vistos (via internet por exemplo) mais de perto?
Quando se (re)lêem estas notícias avulsas, assim em destaque por uma pessoa que se importa e sabe o que diz, é de ficar arrepiada ... O ecológico, o biológico, é demasiado anti-capitalista,anti-globalização, porque aí haveria lugar para a diversidade!Interessa
é ganhar dinheiro rápido! Não pensam sequer no que vamos, depois, deixar aos nossos filhos e netos ...terra exausta e novos ricos, de Centro Comercial!
EP
Fico doente de só ver cimento em Portugal. Com a terra que temos, se tudo fosse bem organizado, nem haveria necessidade de importar produtos agrícolas! Porque será que neste país só há construtores civis, porque será que ser agricultor é até ser considerado coma algo de indigno? Po rra rfff, estamos em 2009, é altura de começar a pensar no futuro, e de refilarmos, ou este país, já não é mesmo nada nosso?
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