sexta-feira, julho 08, 2005

Sete de Julho, 2005

Sinto-me a viver num pesadelo do qual ainda não acordei. Tudo isto aconteceu, nuns quinze ou vinte segundos depois do metro ter saido da estação de King’s Cross em direcção a Russell Square, eram 8:56 da manhã. Lembro-me do clarão, seguido de um estrondo abafado, e da carruagem ficar imediatamente cheia de fumo preto e espesso, com um cheiro a borracha queimada que tornou o ar irrespirável. O comboio parou subitamente, as luzes apagaram-se. Alguns de nós tentámos acalmar pessoas que estavam histéricas ou em pânico dizendo-lhes: “...We’ll be alright, rescue is surely on its way...” ou “... Is everybody okay?!”, outros a perguntar os nomes de quem estava mais descontrolado e a tentar meter conversa "Keep the spirits high".
Durante dois minutos pensei que não saia dali vivo. Na carruagem pouco se conseguia ver além das feições enegrecidas de outros passageiros e das luzes de segurança no exterior. Estava receoso que fosse um incêndio algures no comboio ou no túnel. O fumo não dissipava, e cada vez mais sentiamos dificuldade em respirar. Passaram-se uns dez minutos, nenhum anúncio feito pelo condutor no intercomunicador. Tentámos abrir as portas, forçando-as, mas não conseguimos. Decidimos, então, partir os vidros da porta e andar até à plataforma mais próxima. Tentaram primeiro com as chaves de casa, mas nada. Felizmente, eu por “defeito profissional” ando sempre com as tesouras de poda na mochila. Afastámos toda a gente da porta, foram-se os vidros num instante e imediatamente comecaram a sair pessoas para o túnel, evitando tocar nos carris, que estavam desligados. Dirigimo-nos a King’s Cross, tendo que entrar num túnel diferente de onde viemos por esse ser demasiado estreito, impossível de passar. Partimos mais um vidro de uma porta de outra carruagem para as pessoas sairem. Ouviam-se gritos horríveis ao longe, do lado de Russell Square. Pelo caminho, por cima dos carris, vejo uma porta de uma carruagem negra e amachucada como se fosse papel. Ouvimos alguém a dizer “This way!”, e avistamos uma luz ao fundo da curva do túnel, talvez a uns 60 metros da carruagem de onde saímos. Era uma das plataformas e vemos os primeiros funcionários Do London Underground que saltaram para a zona dos carris e nos ajudaram a subir. Alguns traziam garrafas de água e encaminharam-nos para a superfície. Pelo que me apercebi, na nossa carruagem nao houve feridos graves nem mortos, apenas uns cortes, pequenas contusões, o fumo que inalámos e pessoas em choque. Nós fomos dos que tivemos sorte. Muita sorte. Á parte dos minutos iniciais de pânico, as pessoas que conseguiam andar ajudaram-se e mantiveram-se calmas e ordenadas a sair da estação de metro para a zona de primeiros socorros na entrada de King’s Cross. Eram 9:15 quando vi o céu enevoado de Londres novamente. Toda a gente resignada com o sucedido, alguns choravam, faziam-se telefonemas, ia-se dando apoio uns aos outros.
Ligo à S. a contar o que se passava. Foi-nos dito na altura que se tinha dado uma colisão entre comboios, causada por uma quebra de tensão na rede eléctrica. Entretanto os servicos de emergência comecaram a chegar, e em Euston Road estava instalada a confusão com bombeiros, polícia, helicópteros e todos os veículos e pessoas que costumam estar ali numa manhã normal. Por volta das 9:50 toca o telemóvel: “É um ataque terrorista, rebentaram bombas noutras estações de metro do centro de Londres e num autocarro!”. A partir daí a rede deixou de funcionar. O meu choque foi-se transformando em fúria contida. Os primeiros socorros deixaram-me sair um pouco mais tarde, tenho uns arranhões minúsculos, só me disseram para beber muita água por causa do fumo. Dei os meus detalhes à polícia e tentei voltar para casa, longe do centro, e ver a minha mulher, que me consegue telefonar finalmente, e o meu filho, que já estavam à minha espera. Ao mesmo tempo, perto de Euston Square, vejo as primeiras árvores na zona, Platanus x hispanicus, e a antecipação de estar com as pessoas que mais amo e o verde fez-me por um momento sentir-me aliviado mas também agradecido e abençoado por estar vivo e ter escapado ileso.

Enquanto voltava para casa de autocarro, não conseguia parar de pensar em toda a gente que ainda estava lá em baixo no túnel, mas com esperanca que os bombeiros os tirassem de lá o mais rapidamente possivel e desejando que tivessem a mesma sorte que eu tive.

Os meus sentimentos para os familiares e amigos de todas as vítimas deste atentado.

As melhoras para todas as pessoas feridas que estão nos hospitais ou em casa a convalescer.

Um muito sincero obrigado às equipas de emergência, forças de segurança e pessoal do London Underground e GNER, fizeram um trabalho excelente.




"I say to those who planned this dreadful attack, whether they are still in London in hiding, or if they are abroad: watch next week as we bury our dead, and mourn them. But see also in these same days new people coming into this city to make it their home and call themselves Londoners, and do so for that freedom to be themselves."

Ken Livingstone

19 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Grande Prova de coragem sim senhora :)
Parabéns..

sábado, 09 julho, 2005  
Blogger jorge said...

hey indian man!
cool ver-te bem na tele!
um abração e já falamos!
visita...para quando?
tota.

sábado, 09 julho, 2005  
Blogger AV said...

Vamos linká-lo para que possa ser lido em Portugal (alhosvedrosaopoder.blogspot.com).
Somos pequenitos, mas sempre ajudará a divulgar a sua terrível experiência.

sábado, 09 julho, 2005  
Anonymous Anónimo said...

Que grande susto hã!...
Ainda bem que tudo acabou da melhor forma.
Parabéns pela coragem!

sábado, 09 julho, 2005  
Blogger Nelson Reprezas said...

cheguei aqui através da entrevista da RTP.
Vou lincar o Terraforma e deixar-lhe aqui um grande abraço

sábado, 09 julho, 2005  
Anonymous Anónimo said...

Sim... Ainda há pessoas que nos tocam, nos emocionam e nos representam como nunca achámos que pudéssemos ser representados. Saibamos apreciar cada dia com como se realmente fosse o ultimo. Pode mesmo ser.

Coragem, cabeça fria, humildade e os pés bem assentes na terra. Quem me dera ser assim...

Felicidades, sinceramente.

sábado, 09 julho, 2005  
Blogger Alenquer said...

Nem sei que dizer!! muitos parabens pela coragem... vou linkalo num poste agora mesmo... tudo de bom para si e para os seus

sábado, 09 julho, 2005  
Blogger Tobias said...

Espero que se recupere o mais rapidamente possível, tanto fisicamente como emocionalmente (que custa mais a curar). Há feridas do nosso coração e no nosso pensamento que só o tempo e o amor das pessoas que nos rodeiam consegue curar.

É tão triste acordar e pensar que para tantas pessoas cheias de esperanças e expectativas naturais de um novo dia que acabara de começar, a vida acabou...

É ainda mais triste termos de lidar com esta realidade, mais do que com o terrorismo, é termos de lidar com a maldade e crueldade presente nas almas.

Um novo dia começa e a vida continua.

Com os melhores cumprimentos
berTuxinha

sábado, 09 julho, 2005  
Blogger cinderela said...

Também aqui cheguei por causa da entrevista no telejornal da rtp.
Parabéns pela coragem e ajuda que deu aos outros.
Desejo que esses fantasmas desapareçam rapidamente.

sábado, 09 julho, 2005  
Blogger Carlos (Brocas) said...

Um grande bem haja, eu ia a conduzir em Lisboa quando ouvi a noticia na Radio, e fiquei bastante preocupado pois tenho familia ai em Londres, felizmente tiveram mais sorte de que o Sr..

MAs a vida têm de continuar.

sábado, 09 julho, 2005  
Blogger AG said...

Mais um comentário de quem chegou aqui por vê-lo no telejornal.
Que tudo lhe corra bem aí em Londres e que nunca falte o entusiasmo pelo trabalho que se lê nos posts anteriores ao seu testemunho sobre como viveu esse terrível dia. Keep the spirit high!

sábado, 09 julho, 2005  
Anonymous Anónimo said...

É por você se entregar com tanta dedicação ao seu trabalho, que na altura teve a ferramenta certa à mão!

Um abraço

Votos de sucesso!

sábado, 09 julho, 2005  
Blogger Pedro Soares Lourenço said...

Não há muito a dizer. Grande abraço e rapida recuperação

domingo, 10 julho, 2005  
Anonymous Anónimo said...

Vivo em Londres e congratulava-me por nao haver Portugueses envolvidos neste atentado...afinal e felizmente estava enganada!Acabei de o ver no telejornal e encheu-me de orgulho.Muitas felicidades

domingo, 10 julho, 2005  
Blogger Avozinha said...

Vi-o no telejornal e muito me alegra que tenha escapado ileso de tão terrível atentado. Deus tem certamente algum plano para a sua vida. God bless you.

domingo, 10 julho, 2005  
Blogger Pitucha said...

Olá
Sou hoje conheci o seu blogue mas a partir de hoje virei mais vezes!
Que experiência ... parabéns pela forma como a descreveu.

segunda-feira, 11 julho, 2005  
Blogger jardineira said...

Não estabeleci a ligação com o seu blogue quando o vi ontem na televisão. No meio da desgraça e da tristeza, não pude deixar de sentir uma ponta de orgulho pelo herói ter sido um dos "nossos" (a tesoura de poda assim o identificou).
Agora, descanse!
Um abraço,
Susana

segunda-feira, 11 julho, 2005  
Blogger sara said...

Ainda bem que tudo acabou da melhor forma, sinceramente!Esses terroristas ainda vão ter o que merecem...Parabéns pela coragem demonstrada!**

terça-feira, 12 julho, 2005  
Anonymous Anónimo said...

Um grande abraço pela coragem e pelo genuino relato. Fica provado que uma tesoura de poda nas mãos de um português faz estória. Um beijo do tamanho do mundo
zé pedro

sábado, 30 julho, 2005  

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